18 de junho de 2013

Usina *

Iremar Marinho 


O bueiro fere o espaço. 
O apito fere o tempo.

A fumaça fere o ar.
A produção fere a gente.

Nos gases que a usina expele,
sobem as almas dos homens,

que são nada. Embora tantos,
somem no ar, são fumaça.

Fumaça que leva sonhos
de fuligem maculados. 

Fumaça que fere o ar.


Marcas * 

Iremar Marinho


A máquina produz homens,
abastecendo o mercado, 

no cumprimento da lei
da oferta e da procura.

Cada caixa de homens traz
sua etiqueta loquaz –

esta: ricos; esta: pobres,
mais esta: desempregados. 

Mais uma caixa: tiranos, 
aqueloutra, marginais. 

São as marcas registradas.
Homem industrializado,
                                                    
medido, empacotado,
computado, consumido.

*Poemas integrantes da "Coletânea Caeté do Poema Alagoano", publicada pela Seculte/Alagoas, 1987

13 de setembro de 2012

Cavatina para William Blake

Iremar Marinho


Eu me rendo,
William Blake.
Eu te vendo
Minh'alma
De pé-quebrado.
Não suporto mais a luta
do teu céu com meu inferno.

                                    (11-8-2011)



Para Lêdo Ivo

(Ao modo de Sidney Wanderley)


Iremar Marinho

Ninguém sai do poema de Lêdo
Sem o mar estético
Sem as várzeas fluidas
Sem as raparigas do Cavalo Morto

Ninguém sai do poema de Lêdo
Sem lama lacustre
Sem dormir com as putas
Dos velhos sobrados
Do Jaraguá redivivo

Ninguém sai do poema de Lêdo
Sem o açúcar bruto
Do porão das naves
No porto ancoradas

4 de dezembro de 2010

BESTIÁRIO ALAGOANO Iremar Marinho: Meus poemas

BESTIÁRIO ALAGOANO Iremar Marinho: Meus poemas: "Réquiem para alma baldia Iremar Marinho Divina Pastora guarda o corpo crivado d’alma baldada surpreendida dentro do beco baldio. Di..."

3 de dezembro de 2010

Novo poema de Cicero Melo

CARMINA

Cicero Melo

O verão, Augusto, é dos nobres
E deleitosos veados.

Partimos, mas sangravam.

14 de novembro de 2010

O mundo impossível dos meninos

Iremar Marinho *

“Ó terra em que nasci e morri,
o seu Mundaú, suas lagoas,
minha mocidade.
” (Jorge de Lima)


Poeta Jorge de Lima,
universal e tão próximo.
Na invenção da infância,
criamos o mesmo mundo
impossível dos meninos.

Nós percorremos a mesma
Cidade da Madalena
(ex-Vila da Imperatriz),
o nosso burgo natal):

Rua da Apertada Hora,
Rua do Jatobazinho;
a Rua da Cachoeira,
a Rua do Virador,

Rua da Matança Velha,
Rua do Boi, do Carvão,
Rego da Guida, Pedreiras,
Rua do Consome Homem.

Sou da Rua do Cangote.
És do Largo da Matriz
(da esquina do Comércio,
olhando a Rua de Cima).

Nós passeamos a esmo
pelos “caminhos que ainda
têm orvalhos e sonâmbulos
bacuraus”, “ninhos suspensos”.

Vagueamos no Cruzeiro
do Século, no Jatobá,
no Sueca, no Bolão,
Tobiba, Terra-Cavada,

lá no Fundo do Surrão,
Brejo do Capim, Muquém,
no Cafuxi, Amolar,
no Caboje, na Jurema,

Várzea Grande, Mão Direita,
Cana Brava, Sapucaia,
no Caípe, no Mocambo,
no Ximenes, no Cajá,

no Riachão, nos Esconsos,
Serra Grande das Canoas,
Serras do Frio, da Laje,
da Barriga (do Quilombo).

Tomamos banho no mesmo
Mundaú, das “lavadeiras
seminuas “, curiosos
de ver aquelas “mocinhas
nuinhas, de pé... com frio...”

Na mesma feira de sábado
(eu me perdi do meu pai),
fostes guia da menina
cega que pedia esmolas.

Na estrada Great Western
(“balduínas sonolentas”),
os meninos de “alma lírica”
aprenderam ver paisagem.

Nossos mundos impossíveis
unem-se pelas lembranças
indeléveis como nódoas
nas almas destes meninos.

Eu te peço por empréstimo
tuas raízes (são nossas)
para deixá-las plantadas
para sempre na União.

Empresta-me teu sublime
Acendedor de Lampiões.
Empresta-me Santa Dica.
Empresta-me Pai João.

Empresta-me Quichimbi.
Empresta-me Janaína.
Tua Mulher Proletária.
Empresta-me Negra Fulô.

Só não tomo por empréstimo
tua grandeza de poeta
universal. Minha dívida
contigo é muito grande.

Dever-te-ei para sempre.


* Iremar Marinho é jornalista e poeta, conterrâneo
do poeta Jorge de Lima, que faleceu no dia 15.11.1953

8 de novembro de 2010

Os Conspiradores *

Carlos Queiroz Telles

Na oposição, eles conspiravam.
No governo, eles conspiravam.
No anonimato, eles conspiravam.
Através das rádios, eles conspiravam.
Através dos jornais, eles eles conspiravam.
Através de poemas, eles eles conspiravam.
Nos sindicatos, eles conspiravam.
Nas universidades, eles conspiravam.
Nas catedrais, eles conspiravam.
Ah! Como eles conspiravam
De manhã, de tarde e de madrugada
(especialmente de madrugada).
De frente, de perfil e pelas costas
(quase sempre pelas costas).
Em pensamentos, atos e palavras
Ah! Como eles conspiravam
Conspiravam contra Deus e contra os homens,
contra os homens e as mulheres,
as mulheres e as crianças.
Conspiravam contra a Família!
Contra tudo conspiravam:
contra a ordem constituída
e os preceitos da lei,
contra o regime vigente
e as liberdades sagradas
de ir e vir, de trabalhar, de progredir...
Só vendo como eles conspiravam!
Assim é que nem se aperceberam
dos que contra eles conspiravam.
Dos justos e honestos conspiradores
que conspiravam contra a conspiração
e agora estão no poder.Conspirando.
Contra quem?

* Do livro “Poemas e Recados (1964) em “Relatório de Viagem – 25 Anos de Poesia” (1983) – Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo: Livraria Martins Editora

13 de outubro de 2010

Funeral coletivo na guerra espanhola

Iremar Marinho

Cadáveres de poetas
não servem para heroísmo.
Enterrem logo seus corpos.
Que suas algaravias
não rendam parcos discursos.

Cadáveres de poetas!
Sumam com eles das lápides!
Nem decompondo eles cessam
de comandar as trincheiras
na guerra contra os fascistas.

Cadáveres de poetas
ocupam largos espaços
das terras que se definham.
São feitos para o porvir
(seus ecos roucos retumbam).

Sua atemporal estética
são liames encarnados.
Descarnem logo seus corpos
para que não regorgeiem.
Que não vejam o Paraíso.

não haverá paraíso
nem amores desfolhados


Poetas vivos empestam
o ar da Espanha com versos,
corrompem o ar com silepses,
anástrofes, desestrofes,
com redondilhas sinistras.

Candentes hordas de arqueiros
(traças infra-racionais),
com licenças e silêncios
(com licenciosidades)
esperam coser o mundo.

Seus fantasmas insurgentes,
com armadilhas de rimas
(seus ritmares possessos),
são perigosos, conspiram
contra o ódio dos tiranos.

Seus estribilhos retornam,
suas canções todos solam,
seus ditirambos deliram,
por Baco se embriagam,
por musas se desvanecem.

São fortes contra o Tirano
(contra os cães no pedestal).
Só não resistem aos fuzis
dos criminosos fascistas
(a estese de facínoras).

Aterrem logo estes versos!
Poetas não deixem rastros!
Poemas não subsistam
sob a estese dos fuzis
do Tirano-General!

Não dobrem pelos defuntos.
Apressem seu desencanto,
na terra que vai sorvê-los.
Que jazam definitivos
no calcanhar dos tiranos.

Não esperem Federico
Garcia y bandarilleros,
que eles não voltarão.
Luminares de poetas,
seus rastros são luminosos.

Neste momento dramático
do mundo, o artista deve
chorar e rir com o seu povo.