14 de novembro de 2010

O mundo impossível dos meninos

Iremar Marinho *

“Ó terra em que nasci e morri,
o seu Mundaú, suas lagoas,
minha mocidade.
” (Jorge de Lima)


Poeta Jorge de Lima,
universal e tão próximo.
Na invenção da infância,
criamos o mesmo mundo
impossível dos meninos.

Nós percorremos a mesma
Cidade da Madalena
(ex-Vila da Imperatriz),
o nosso burgo natal):

Rua da Apertada Hora,
Rua do Jatobazinho;
a Rua da Cachoeira,
a Rua do Virador,

Rua da Matança Velha,
Rua do Boi, do Carvão,
Rego da Guida, Pedreiras,
Rua do Consome Homem.

Sou da Rua do Cangote.
És do Largo da Matriz
(da esquina do Comércio,
olhando a Rua de Cima).

Nós passeamos a esmo
pelos “caminhos que ainda
têm orvalhos e sonâmbulos
bacuraus”, “ninhos suspensos”.

Vagueamos no Cruzeiro
do Século, no Jatobá,
no Sueca, no Bolão,
Tobiba, Terra-Cavada,

lá no Fundo do Surrão,
Brejo do Capim, Muquém,
no Cafuxi, Amolar,
no Caboje, na Jurema,

Várzea Grande, Mão Direita,
Cana Brava, Sapucaia,
no Caípe, no Mocambo,
no Ximenes, no Cajá,

no Riachão, nos Esconsos,
Serra Grande das Canoas,
Serras do Frio, da Laje,
da Barriga (do Quilombo).

Tomamos banho no mesmo
Mundaú, das “lavadeiras
seminuas “, curiosos
de ver aquelas “mocinhas
nuinhas, de pé... com frio...”

Na mesma feira de sábado
(eu me perdi do meu pai),
fostes guia da menina
cega que pedia esmolas.

Na estrada Great Western
(“balduínas sonolentas”),
os meninos de “alma lírica”
aprenderam ver paisagem.

Nossos mundos impossíveis
unem-se pelas lembranças
indeléveis como nódoas
nas almas destes meninos.

Eu te peço por empréstimo
tuas raízes (são nossas)
para deixá-las plantadas
para sempre na União.

Empresta-me teu sublime
Acendedor de Lampiões.
Empresta-me Santa Dica.
Empresta-me Pai João.

Empresta-me Quichimbi.
Empresta-me Janaína.
Tua Mulher Proletária.
Empresta-me Negra Fulô.

Só não tomo por empréstimo
tua grandeza de poeta
universal. Minha dívida
contigo é muito grande.

Dever-te-ei para sempre.


* Iremar Marinho é jornalista e poeta, conterrâneo
do poeta Jorge de Lima, que faleceu no dia 15.11.1953

8 de novembro de 2010

Os Conspiradores *

Carlos Queiroz Telles

Na oposição, eles conspiravam.
No governo, eles conspiravam.
No anonimato, eles conspiravam.
Através das rádios, eles conspiravam.
Através dos jornais, eles eles conspiravam.
Através de poemas, eles eles conspiravam.
Nos sindicatos, eles conspiravam.
Nas universidades, eles conspiravam.
Nas catedrais, eles conspiravam.
Ah! Como eles conspiravam
De manhã, de tarde e de madrugada
(especialmente de madrugada).
De frente, de perfil e pelas costas
(quase sempre pelas costas).
Em pensamentos, atos e palavras
Ah! Como eles conspiravam
Conspiravam contra Deus e contra os homens,
contra os homens e as mulheres,
as mulheres e as crianças.
Conspiravam contra a Família!
Contra tudo conspiravam:
contra a ordem constituída
e os preceitos da lei,
contra o regime vigente
e as liberdades sagradas
de ir e vir, de trabalhar, de progredir...
Só vendo como eles conspiravam!
Assim é que nem se aperceberam
dos que contra eles conspiravam.
Dos justos e honestos conspiradores
que conspiravam contra a conspiração
e agora estão no poder.Conspirando.
Contra quem?

* Do livro “Poemas e Recados (1964) em “Relatório de Viagem – 25 Anos de Poesia” (1983) – Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo: Livraria Martins Editora